Carta: Posse da Ministra Marina Silva
Carta:
Posse da Ministra Marina Silva
Carolina,
como vai? Espero que esteja bem.
Quero
agora te contar um pouco da Marina Silva, que nasceu no mesmo ano que você
começou a escrever o diário revolucionário em 1958. Posso dizer que, assim como
você, Carolina, a Marina Silva também é uma revolução. Ela nasceu no Seringal
Bagaço em Rio Branco no Acre. Seringal é uma floresta de seringueiras e de seu
tronco se extraí uma seiva chamada látex, que é uma borracha natural.
Marina
Silva nasceu numa família de seringueiro e passou a infância na floresta
amazônica, cortando seringueiras, quebrando castanhas, ajudando no capir na
roça. Carolina, quando era criança ela e os seringueiros não sabiam ler e
contar, sendo eles facilmente enganados pelos fazendeiros na hora de vender a
borracha.
Assim
como você, que aprendeu a ler e escrever e saiu da favela para ganhar o mundo,
a Marina também ganhou o mundo. Começou aprendendo com seu pai as primeiras
lições de matemática aos 14 anos. Atualmente ela é uma referência mundial em
defesa da biodiversidade, o que a tornou merecedora do maior prêmio da ONU na
área ambiental, o Champions of the Earth. Antes de ser reconhecida
internacionalmente pela sua luta em defesa da Amazônia e da paz mundial, Marina
Silva trabalhou como doméstica, desejou ser freira, cursou o Mobral e o curso
de Supletivo do 1º e 2 º graus. Cursou História na Universidade Federal do
Acre.
Eu
particularmente, não conhecia essa história da Marina Silva antes de escrever
essa carta para você, Carolina. Já tinha ouvido falar dela quando o Chico
Mendes estava vivo, e que também foi seringueiro, nascido na cidade de Xapuri
no Acre. Chico Mendes foi uma grande referência internacional na luta pela
defesa da floresta Amazônica.
Lembro
que o Chico Mendes lutou pacificamente para impedir o desmatamento da floresta,
criando uma estratégia na época que era de mobilizar a comunidade de
seringueiros da floresta para usar o próprio corpo, para fazerem barreiras
humanas abraçando árvores, na tentativa de frear a ação dos fazendeiros que
queriam desmatar a floresta. Essa estratégia ficou conhecida como “empate”.
Carolina,
a Marina Silva conheceu o Chico Mendes num curso para liderança sindical rural.
A partir daí começou a participar dos movimentos sociais sem perder o contato
com as comunidades tradicionais da floresta Amazônica.
Foi
vereadora, deputada estadual, senadora, candidata à presidência e, agora, pela
segunda vez no governo do Lula, nossa Ministra do Meio Ambiente, que em 2023
passou a se chamar Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Da primeira
vez que foi ministra do meio ambiente, no primeiro mandato do Lula em 2022, ela
criou várias unidades de conversação ambiental, combateu o forte desmatamento
da floresta Amazônica, as madeireiras ilegais, e, por tudo isso recebeu vários
prêmios pelo mundo a fora, sendo amada por muitos e atacada por muitos também.
No
segundo mandato do Lula, em 2007, foi fundado o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade, que está vinculado ao atual Ministério do Meio
Ambiente e Mudança do Clima. A história nos proporcionou esse reencontro do
legado do Chico Mendes, ambientalista reconhecido internacionalmente, com a sua
amiga, ambientalista, ambos do Acre e agora novamente ministra, Marina Silva.
Carolina,
foi emocionante e histórico o discurso de posse da Marina Silva, do dia 04 de
janeiro. Como uma mulher de fé e de luta, como ela mesma diz, começou
agradecendo a Deus e ao povo brasileiro e que estávamos vivendo um momento
histórico no Brasil, desde a vitória nas eleições até a posse do Lula. “Talvez,
num dos momentos mais difíceis de nossa história, o povo brasileiro teve a
sabedoria, a coragem e o discernimento de estancar a barbárie e de não permitir
que o Brasil caísse num precipício”.
Sabe
quando a gente está com a casa bagunçada, suja, precisando lavar e renovar o ar
e a vida? É assim que está nossa casa, o planeta Terra, Carolina. Poluímos o
planeta a tal ponto que nada escapou. Nem as ilhas distantes no meio dos
oceanos, o fundo do mar, o alto das montanhas e as geleiras. Eis um grande
desafio de nossos tempos Carolina: a crise climática e o aquecimento global.
Esse
é um dos desafios que a Marina Silva tem pela frente, sabendo que terá como
tarefa trazer o Brasil de volta ao lugar de protagonista na defesa da floresta
Amazônica e da biodiversidade. Nosso país, Carolina, tem condições e respaldo
internacional para responder a esse desafio, que é também do povo brasileiro.
É
algo esdrúxulo o que vou te contar Carolina, mas, o ex-(dito)ministro de meio
ambiente, chegou a dizer abertamente numa reunião ministerial, que o governo
poderia deixar a “boiada passar” por que as notícias veiculadas pela mídia
sobre a pandemia estavam desviando a atenção do povo. Ou seja, esse sujeito
disse em outras palavras: pode desmatar que não problema, ninguém vai ver.
Esse
é apenas um exemplo do que vivenciamos nos últimos anos em relação ao interesse
dos governantes em proteger nossas florestas, rios, mares, manguezais e o nosso
ar que respiramos. O Ailton Krenak, que comentei com você na primeira carta,
disse em seu livro A vida não é útil, que “somos a praga do planeta, uma
espécie de ameba gigante.”
Com
tantos desafios que o tempo histórico nos impõem, desejamos esperançar
por renovação nas políticas ambientais. É intolerável que em pleno 2023
tenhamos que lutar para frear ataques e invasões em terras indígenas,
assassinatos de indígenas, lideranças quilombolas e ambientalistas, como foi o
caso dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom
Phillip, justamente no dia 5 de junho, dia Mundial do Meio Ambiente.
Esperançamos
também, Carolina, para que o Brasil volte a ocupar o lugar de protagonismo
mundial em defesa da biodiversidade ambiental e das políticas de combate ao
aquecimento global e à crise climática. Algumas pesquisas de pesquisadores e
pesquisadoras têm trazido importantes contribuições para pensarmos os problemas
ambientais atuais tanto locais como globais, de modo articulado com o contexto
histórico.
É
preciso levarmos em consideração que os problemas ambientais de nosso país (e
de nossa época) estão diretamente relacionados ao passado colonial,
escravocrata, exploratório e opressor responsável por um modo antiecológico de
habitar o planeta. Só que, Carolina, infelizmente essas relações só começaram a
serem abordadas nos últimos anos. Fazer essa relação entre o ambiental e o modo
colonial, escravocrata, exploratório e antiecológico, abala os interesses dos
que ainda exploram e oprimem.
Em
2021, escrevi junto com meu amigo, o professor e pesquisador Rodrigo Barchi, um
texto para uma revista. Em um trecho do artigo eu fazia menção ao fato de ter
conhecido tardiamente seu livro e a importância de tê-lo conhecido e lido, para
que pudesse repensar minhas andarilhagens com a Educação Ambiental.
E
em 2020, numa das fases mais terríveis da pandemia e ano que comemoramos os 60
anos de publicação do seu diário, li o artigo escrito pelo professor Gustavo
Forde e seu filho Rasley de Paula Forde, publicado pelo Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros, o Neab – Ufes, intitulado, Impactos da covid-19 na
população negra capixaba: breve análise comparativa à luz da categoria raça/cor[1].
Nesse
artigo os autores apresentam dados estatísticos que comprovam a letalidade
maior da covid-19 sobre a população negra, principalmente sobre as mulheres
negras, denunciando o racismo estrutural, institucional, cotidiano e ambiental em
nossa sociedade.
Por
isso, Carolina, gostaria terminar dizendo que o modo de vida consumista,
predatório e antiecológico do mundo moderno tem provocado uma bagunça no clima
do planeta, como se fosse uma “tempestade”. O Malcom Ferdinand, Carolina, é um jovem
pesquisador que nasceu na Martinica, ex-colônia francesa no Caribe, e ele
escreveu o livro Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho.
O prefácio desse livro foi escrito pela grande intelectual negra
norte-americana, filósofa e ativista anticapacitista, antirracista e feminista,
Angela Davis.
No
prefácio do livro escrito por Angela Davis, ela enaltece a pesquisa do
Ferdinand dizendo que o trabalho dele, Carolina, “desmascara a lógica que nos
impele a conceituar as agressões ao meio ambiente e a violência racista como se
desconectadas”. Em seu livro ele nos
apresenta várias problematizações a partir do mundo caribenho, dentre elas o
fato de que vivemos um “capitalismo racial contemporâneo” e que herdamos um
“modo de habitar colonial” forjado por uma supremacia branca, que nos coloca
diante do desafio de compreendermos as intersecções entre antirracismo e
consciência ambiental.
Segue
um trecho do livro que tem nos ajudado a pensarmos as nossas pesquisas em
Educação Ambiental.
Com seus princípios, seus
fundamentos e suas formas, o habitar colonial reúne os processos políticos e
ecológicos da colonização europeia. A escravização de homens e mulheres, a
exploração da natureza, a conquista das terras e dos povos autóctones, por um
lado, e os desmatamentos, a exploração dos recursos minerais e dos solos, por outro,
não formam duas realidades distintas, e sim constituem elementos de um mesmo
projeto colonial. A colonização europeia das Américas é apenas o outro nome da
imposição de uma maneira singular, violenta e destruidora de habitar a Terra.
(FERDINAND, M., 2022, p. 56)
Esse
livro me fez lembrar de você, Carolina. O seu diário revolucionário e o livro
do Ferdinand têm sido fundamentais para meus estudos e escritos de agora. Mas,
isso é um assunto que não vamos terminar aqui nessa carta.
Um
saudoso abraço.
[1] Disponível em: https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/11478/1/ARTIGO_covid-19_e_populacao_negra_capixaba.pdf. Acesso em: 26 abr. 2023.
Comentários
Postar um comentário